In Dreams - Veludo Azul

Quantos segredos que uma orelha humana pode guardar?

A cena inicial, para o espectador não habituado aos filmes de David Lynch, parece dizer que Veludo Azul é um filme "normal". Talvez, pelo título, trata-se de uma película que narra a história do tecido em questão. E é ele que abre a cena citada.

E após a primeira "quebra", na qual a música forte dá lugar a canção romântica de Bobby Vinton, o veludo funde-se a um lindo e limpo céu azul. O movimento seguinte que a câmera faz revela sete bem cuidadas rosas vermelhas e uma alvíssima cerca. A cena segue e um caminhão de bombeiros (na cor vermelha com detalhes em branco) surge com um passageiro vestido de azul acenando para a câmera. Crianças atravessando a rua tranquilamente, carros e casas típicas dos Estados Unidos. As referências as cores da bandeira americana não são mero acaso. O que vemos é o verdadeiro sonho americano, o tão propagado american way of life.

Portanto, o filme quer mostrar que Lumberton, uma típica cidade do interior norte-americano é um lugar de paz e prosperidade, certo? Não para David Lynch. Logo em seguida, vemos um senhor regando seu bem cuidado gramado ("a grama do vizinho é sempre mais bela"). Um ruído estranho parece se misturar a música. A mangueira se enrola e o idoso cai no chão, se contorcendo, enquanto um cachorro tenta, em vão, impedir que o fluxo da água continue. O corte seguinte nos sugere um mergulho ao gramado e abaixo dele  insetos se movem e produzem sons que aos nossos ouvidos soa como asqueroso.

Estranho, não? É exatamente isso que Lynch pretende. "Estranhar" o espectador. Tirá-lo de seu lugar comum.

A apresentação do personagem principal também não segue um modo corriqueiro. Jeffrey Beaumont (Kyle MacLachlan) se vê obrigado a retornar a cidade onde nasceu devido a doença inesperada do pai (o senhor que regava o gramado. Após deixar o hospital, Jeffrey caminha por um terreno baldio e lá avista algo que jamais poderia passar despercebido: uma orelha humana já apresentando traços de putrefação.

Um novo mergulho. Dessa vez, dentro da orelha em questão. A partir desse ponto, nada mais é como parecia ser. Um mundo obscuro é revelado a quem assiste a película, mostrando que a grande maioria dos habitantes de Lumberton são "cegos esclarecidos", pois cerram as pálpebras a sujeira que possa atrapalhar o seu tão sonhado estilo de vida.

Frank Booth e Dorothy Vallens
Os personagens de Veludo Azul são os grandes fios condutores do filme. Além de Jeffrey, temos a doce Sandy Willians (Laura Dern), por quem o protagonista nutre um amor quase infantil. E no oposto da linha há a sedutora e perturbada Dorothy Vallens (a estonteante Isabela Rossellini, filha do grande diretor do Neo-Realismo Italiano Roberto Rossellini) e o psicótico Frank Booth (Dennis Hopper, talvez em sua atuação mais visceral).

Os 120 minutos do filme não parecem incomodar o espectador. Através da orelha, um mundo torpe se descortina ao jovem Beaumont que, movido pela curiosidade e pela sedução, passa a investigar por conta própria a descoberta assustadora.

Frank Booth é o típico vilão de nossos sonhos. A personificação da maldade gratuita, do medo e da loucura. O constante uso da palavra fuck chega a agredir o ouvido do espectador. E o fetiche pelo veludo acrescenta ainda mais repulsa. Ele parece ser dono de Dorothy e, por conseguinte, de todos da trama.

Toda sociedade tem seus podres. E Lynch tem verdadeira paixão por desmascarar isso. O choque é inevitável e totalmente intencional. A imagem daquilo que é real geralmente nos desconcerta, retira nosso eixo e nos coloca nus diante da situação.


Mesmo tendo sido produzido em 1986, Veludo Azul continua atual já que nos serve como alerta: mesmo que os pássaros voltem a aparecer em nossos quintais, é preciso que nossos olhos e mentes estejam sempre abertos pois o mundo perfeito não existe. Existem, sim, inúmeros Frank's a tirarem nosso sono e impedir que sigamos nossas vidas. Mas, claro, a escolha é de cada um. Porém, caso prefira manter-se alheio ao mundo que o cerca, que tal dar uma voltinha de carro e ouvir uma bela canção de Roy Orbison com direito a coreografia?

Go to sleep, everything is allright.
 
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